‘‘O senhor está no céu’’,
a História de velhinhos na Universidade
Dezenove horas, a bordo do ônibus para UFT lotado, jovens quase saindo pelas janelas, vários assuntos rolando, e é claro está muito, muito quente! Em meio à inquietação de todos os dias, um perfil atípico ao dos outros colegas me chama atenção: cabelos grisalhos, linhas de expressão, pele cansada. Um idoso? Sim, é assim que os ‘’politicamente corretos’’ chamam.
O personagem da noite não atende a nenhum estereótipo cabível nos mais velhos. Mochila nas costas, óculos escuros suspensos na camiseta, calça jeans e tênis All Star. Não é um garotão que estou descrevendo, continuo falando do velhinho do primeiro parágrafo. Apesar de ‘’curtir’’ não estava preparada pra achar normal. Olhei paras os lados, vi os assentos preferenciais ocupados, então ofereci meu lugar. ‘’O senhor gostaria de se sentar?’, quase não respondeu, depois de alguns segundos, debochado me olhou e disse: ‘’O senhor está no céu’’.
Insisti para que sentasse e ele retrucou: ‘’Ô bobinha, por acaso estou com cara de quem quer sentar? Tanto tempo que vou ficar sentado na sala de aula’’. Meu sangue subiu: ‘’Depois a gente é mal educado quando não oferece’’, respondi irritada. O engraçadinho deu um meio sorriso e me ignorou.
A viajem segue e eu intrigada olhava aquele velhinho espevitado. Quando ele percebia, eu disfarçava. Ele também me olhava, com o mesmo sorriso irônico de antes, parecia que eu havia subestimado a jovialidade de um ‘’bad boy’’, desses que vemos em filmes de colegial.
Descemos do ônibus e ele veio na minha direção. ‘’Só o que me faltava’’, pensei. Em tom pacífico ele se apresentou. ‘’Sou o Leomar. Desculpe pelo ‘’grilo’’ no ônibus, eu sou um bipolar mesmo. Faço Filosofia aqui, foi um prazer conhecê-la”.
Respondi algumas palavras surpresa, quis parecer compreensiva, mas não acredito que consegui esconder minha intriga. Ele saiu para o anfiteatro acompanhado de um ‘’moicano’’, jovem com corte de cabelo próprio e look alternativo, de andar engraçado
.
‘’Sujeitinho curioso’’, pensei. ‘’Meu avô não está na Universidade, não fala ‘’grilo’’, não é debochado e não usa All Star...É cada uma que me aparece!’’
Mas é só andar pelo campus da UFT, pra saber que o Leomar não é o único, Uma pesquisa rápida no professor Google, faz também saber que, Allan Stewart, 97 anos de idade recebeu o quarto diploma universitário, mestre em ciências clínicas e medicina complementar.
Essa é a Universidade de hoje, Uma precoce geração, conhecida como ‘’Y’’ dividindo espaço com velhos revolucionários, ativos na sociedade mesmo depois da aposentadoria. Modernos ou tradicionais, descolados ou alternativos, eles tem estilo próprio. Principalmente pela firmeza adquirida ao longo dos anos.
Estudos comprovam que a expectativa de vida no Brasil , cresceu. Segundo dados do IBGE a população acima de 65 anos chega a 15 milhões de pessoas, a expectativa é quem em uma década esse número chegue a 32 milhões. O país já não é tão jovem como antes, mesmo assim continuamos a viver, sem perder o bom espirito de todo brasileiro.
Um grupo de faces não tão novas está em evidencia na sociedade, inclusive no mercado de trabalho.
No cerimonial da UFT, Layane Pavão, 19 anos, é estagiária e Hely Carvalho ,79 anos, também. Layane vem de um curso de graduação em Artes e Hely da gerontologia da UMA - Universidade da Maturidade.
Eles desempenham funções administrativas e convivem como se as diferenças fossem mínimas.
Durante a entrevista: mãos dadas, abraços e risadas. A intergeracionalidade funciona para esses dois.

‘’ Magda você não viu o abraço que a Layane me deu. Amor, se você visse o que ela fez comigo!’’ Seu Hely provoca a esposa ciumenta, 30 anos mais nova . Hely Carvalho próximo dos quase oitenta anos estagia na administração do cerimonial , como qualquer outro acadêmico.
Não preciso ir muito longe pra descobrir a vaidade do meu entrevistado, antes das fotos uma pausa para repaginar o visual. Não é para menos, o brincalhão Hely se tornou uma espécie de garoto propaganda da UMA. Faz chamadinhas de Tv, seu depoimento inspirou o roteiro do documentário ‘’A educação motiva a vida’’, e além detudo muitas, muitas entrevistas, é claro! A simpatia vende a imagem do nosso personagem.‘’Tá famoso hein, seu Hely’’, brinca Layane Pavão.
Quando pergunto sobre o que acha de conviver com jovens como a Layane ele diz que é ‘’ a melhor coisa do mundo. Não sou jovem, mas aqui me sinto moderno’’. Depois de altos ‘’papos’’, chegou a hora de alimentarmos a vaidade de Hely. A modesta estagiária de artes, fala em tom suave sobre o relacionamento como ele.
‘’ Uma das melhores coisas que me aconteceu nesses últimos anos, foi ter amigos como o seu Hely. Não tive dificuldade, mas muitas pessoas da minha idade não estão prontas para uma amizade assim. Perdemos muito por isso. Nós buscamos o conhecimento na sala de aula, nos livros, mas o melhor está nas pessoas, principalmente em quem tem história. Os bem velhinhos”, completou o estagiário.
De repente a conversa ganha um tom de apelo ‘’ A Layane diz que me conquistou aos poucos, nós ficamos ansiosos por essa conquista. Queremos nos sentir inclusos.
Hely continua a falar e com olhar de te peguei ele solta : ’’Chega uma moça bonita e começa a conversar com a gente, não tem coisa melhor ‘’.
Essa é nova cara dos nossos velhos! Pegou o trocadilho?
Eles riem, se divertem, trabalham, querem festa , se vestem bem , querem qualidade de vida. Ah, quase desconsiderei a explicação , eles são velhos mesmo .É assim que os novos estudos de gerontologia tratam quem os receosos chamam de melhor idade, terceira idade , idoso blá, blá, blá..... Todos esses rótulos caíram para geração ‘’uhuul’’.
Na universidade da maturidade ‘’os camisas amarelas’’ perceberam que o envelhecimento é um processo natural, assim como é também ser velho. As outras nomenclaturas que surgiram, são distantes dessa realidade. Palavrinhas bonitas que maquiam o que os preconceituosos consideram feio.
Aí eu entendi. Que o corpo pode envelhecer, mas em espirito somos só seres humanos experientes ou não, e caduco mesmo é o preconceito, que insiste como chiclete no cabelo em nos separar por nossas diferenças. Quanto ao Leomar, sem ressentimentos! Descobri que não era de mim que ele debochava. Fazia pouco caso do meu olhar, da minha maneira. Sem perceber eu sustentava por trás de uma atitude, modelos que diminuem o velho. Essas heranças nos fizeram acreditar que os anos incapacitam alguém, como se as pessoas tivessem prazo de validade.
Do seu Hely vem uma frase bonita para encerrar a discussão ‘’ Meu corpo pode está sentindo o peso dos anos, mas minhas mente está nova’’. Profundo não é? Quase me esqueço que além de um rostinho bonito o Hely é um sábio também.
Mas por causa do Leomar, que para mim virou o ‘’Léo’’, reflito : O ‘’grilo’’ dos velhinhos com auto estima não é a idade, são as injustiças de uma sociedade que ainda não acordou para revolucionar junto com eles. Léo e Hely estão no campus universitário e o Senhor está mesmo no céu.