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Idosos abandonados, mas cheios de histórias pra contar. Uma visita ao abrigo João XXIII.

Há alguns meses visitei o abrigo João XXIII, em Porto Nacional, no Tocantins. Não lembro muito dos detalhes dessa visita, mas até hoje guardo na memória o sofrimento relatado daquelas pessoas. Decidi ir lá novamente e vivenciar uma nova experiência.
Logo que cheguei, procurei a responsável pelo local para obter mais informações. Um senhor de idade, com a face marcada pelo trabalho pesado, mas que não aparentava ser um abrigado, me recebeu. Perguntei onde ficava a administração, achava que ele era zelador ou algo do tipo, e ele me indicou uma sala. Galdina, uma espécie de secretária que faz os relatórios administrativos, me atendeu. “Quantos abrigados têm atualmente?”, perguntei. “Quantos ‘véi’?”, interpelou com o cenho franzido da testa. Ela me disse que eram trinta e três idosos que vivem no abrigo, sob os cuidados de vinte funcionários, que se dividem entre técnicos de enfermagem, faxineiros, cozinheiros, pediatras e administradores. 


Fui encaminhado pela secretária a falar com o verdadeiro zelador do local, Seu Mauro, que trabalha no asilo há 30 anos. Ele me contou que o asilo foi fundado em 1979, no casarão que era a antiga sede dos correios. Porém, no ano passado, por questões de estrutura, foi transferido para as instalações da Escola Municipal Raimundo Pereira da Silva, localizada no Jardim dos Ipês, próximo ao campus da UFT de Porto Nacional.


Fui conhecer as instalações do abrigo. Entrei num quarto e me deparei com Dona Rosa. Ela estava deitava numa cama, com o semblante pesado e de dor, parecia muito estar doente. A suspeita se confirmou ao tentar um diálogo, onde ela me disse: “Fala mais alto que eu sou surda!”. Há quatro meses no abrigo, Rosa desabafou sobre as dores que sentia em seu corpo e pedia insistentemente orações suplicando alívio. Reparei que, mesmo naquela situação, ela era bem tratada pelos enfermeiros. No decorrer da conversa, me interessou saber o porquê da estadia. O filho dela mora em Palmas, no Tocantins, mas pouco visita a mãe. Mesmo tendo condições de tirá-la do abrigo, Rosa conta, com lágrimas nos olhos e voz embargada, que seu filho não se importa com a situação. Seu outro filho mora no Japão e mal sabe que a mãe se encontra em tal estado. A vontade de afastar-se do abrigo é grande, mas ela insiste: “se sarar eu quero sair, mas desse jeito não dá”.

Qualquer pessoa pode ajudar a manter o abrigo. A administração local subsidiou as novas instalações, além de custear a água, energia e enviar duas fisioterapeutas para atender os abrigados, semanalmente. Ainda assim, o local sofre muitas dificuldades quanto a doações de mantimentos e remédios.


Dona Galdina me avistou e apresentou o Senhor João Alves, que está a cinco meses no asilo. João era aquele senhor que no início pensei ser o zelador. Tive com ele a conversa mais longa, mas também a história que mais se diferencia da maioria dos abrigados. Segundo João, ele foi levado ao abrigo quando estava “meio louco”. Ele foi encontrado com hematomas por todo o corpo, mas não sabe explicá-los. Mal sabia para onde estava indo ou o que estavam fazendo com ele. No início houve uma resistência muito grande para ficar lá, mas com o tempo se conformou. “No começo eu ia sair mesmo, mas já me acostumei. O povo é bom, tenho muitos amigos”, conta João.

 

Segundo Dona Galdina, todo o trabalho exercido no abrigo, da faxina à cozinha, é terceirizado por empresas da cidade, que enviam seus profissionais como forma de ajuda voluntária. João conta que quando precisa de algo, sempre tem alguém para ajudá-lo. Ainda na conversa com Seu João, resolvi perguntar sobre seus bens. Ele respondeu que ia vender seu carro e sua casa no Mato Grosso, e sobre sua aposentadoria disse não saber para onde vai. O abrigo João XXIII guarda todos os documentos e bens pessoais dos abrigados. No caso dos aposentados, toda conta bancária é administrada pelo próprio abrigo, que usa o dinheiro para ajudar a manter o local em funcionamento.


Conheci outros idosos, alguns por motivos de saúde mental, rejeitaram minha aproximação. Ao andar mais avistei uma senhora chamada Judith, que me concedeu uma conversa. Tinha dificuldade em falar corretamente as palavras, mas mesmo com a voz embaralhada, conseguia entender o que ela dizia. Ela está lá há tanto tempo que não lembra mais quando entrou. Fiz várias perguntas sobre como é o tratamento e a relação com os outros idosos, mas a indignação de Judith vinha só com uma resposta “tenho muita vontade de ir embora”. Segundo ela, seu filho já ligou e disse que vai buscá-la. Várias perguntas foram feitas em seguida, mas ela insistia em dizer que anseia sair de lá e que seu vai filho buscá-la.



Porém, o que mais me impressionou foi como ela parou lá. Judith contou que uma mulher que mora na cidade do seu filho a viu doente na rua, levou-a ao hospital e quando deu alta, trouxe para o abrigo, em Porto Nacional. “Eu não a conheço. Ela foi me enganando, me levou para o hospital e depois me trouxe para cá”. O descaso dos filhos com os pais já idosos é o principal motivo de abandonos em abrigos. Marcados por defeitos de uma vida de trabalho e suor, essas pessoas necessitam, no final da vida, de cuidados especiais e dedicação. E é exatamente esses cuidados que muitos filhos não estão dispostos a assumir. Muitas vezes eles não aguentam mais cuidar dos familiares já doentes, e mandam para casas de repouso que dão hospedagem, cuidados médicos e alimentação.


Ao contrário do tempo deles, o meu passou mais rápido. Sem perceber já era hora de partir. Com o semblante monótono, vivendo apenas por viver, os abrigados iam tomar seu banho diário no final da tarde e se preparar para o jantar e o descanso, pondo fim a mais um dia como abrigado no asilo, de novo.


Fui embora com a promessa de um dia retornar, e aprender com quem tanto tirou lições da vida.

 

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