top of page

ENTRE DEGRAUS E RAMPAS: O PROBLEMA DA FALTA DE ACESSIBILIDADE EM PALMAS

O sol desponta no céu palmense e sem vergonha anuncia um novo dia ensolarado na capital do Tocantins. É dia mais uma vez na cidade de Palmas que, segundo o conceituado arquiteto Hugo Segawa, é a última capital planejada do século XX! Palmas pode até ter sido planejada, mas certamente não foi projetada para pedestres.


O pedestre reclama do sol, que sem sombra de dúvidas, transporta as distâncias na esfera do imensurável, murmura ainda sobre a ineficácia do sistema de transporte público, e da falta de calçadas que asseguram o trânsito ao longo das avenidas. Com vias largas e faixas de pedestres insuficientes, calçadas irregulares sem rampas de acesso para portadores de necessidades especiais, a cidade remonta para pedestres e cadeirantes um verdadeiro inferno diário.

É sob esse sol que o funcionário público Clério Romão, cadeirante desde os 12 anos de idade, roda pelas ruas da cidade rumo ao seu trabalho. “A vida do cadeirante não é fácil! A gente enfrenta as ruas no braço, pega ônibus super lotados pra todo lado e ainda sofre com a falta de acesso a prédios e casas”, diz Clério.​

E no eterno ranger de rodas, Clério segue em sua cadeira até chegar à Escola Estadual São José, local onde trabalha desde 2011. Da sua casa localizada na quadra 1104 Sul ao seu trabalho na 1106 Sul, Clério precisa enfrentar adversidades como  a falta de rampas e calçadas sem condições de circulação e ainda tem que atravessar uma avenida muito movimentada através de uma faixa de pedestres com sinalização indevida. Em desabafo Clério diz: “Agora tá mais fácil um pouco, porque eu trabalho perto de casa, mas antes quando ia de ônibus eu sempre chegava atrasado mesmo que acordasse bem mais cedo do que meus colegas de serviço”.


A vida dura que Clério descreve, segundo Sebastião Ferreira da Silva presidente da Associação dos Deficientes Físicos do Tocantins, é uma realidade para muitos tocantinenses. Sebastião diz que em Palmas mais de 17 mil pessoas possuem algum tipo de deficiência física e sofrem com falta de acessibilidade.

Apenas 4,7% das ruas do país têm rampa de acesso para cadeirantes, segundo a pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) com base nos dados do Censo 2010. O levantamento relata que nenhuma cidade do país tem todas as ruas com a benfeitoria para deficientes e a cidade de Palmas tem o pior índice entre as capitais brasileiras.

Acessibilidade e o Transporte Público

Seguindo pelas ruas de Palmas encontro o senhor Raimundo da Silva, cadeirante há mais de 30 anos, segue a vida como pedinte na porta do Banco do Brasil da Avenida Teotônio Segurado, na 402 Sul. Raimundo traz a pele marcada por muitas cicatrizes que segundo ele são marcas da falta de acessibilidade. Quando questionado sobre a maior dificuldade no dia a dia enquanto cadeirante em Palmas ele afirma: “O transporte coletivo, sem dúvidas! Foram anos lutando pelos ônibus adaptados, mas agora a luta é contra motoristas despreparados e mal educados. Muitos motoristas não sabem acionar a rampa e numa dessas me machuquei muito, pois levei um tombo de uma altura grande”.
 

Sobre a acessibilidade no transporte público Clério afirma timidamente: “ainda tem muito que melhorar na questão dos horários em que passam ônibus adaptados e também é preciso aumentar a frota desses ônibus, mas até que a questão do transporte público em Palmas já está bem resolvida”.

Acessibilidade pelas ruas da cidade

“É preciso se arriscar...”, diz Antônio, mostrando algumas cicatrizes e continua: “Existem muitas avenidas que você tem que se arriscar andando na rua junto dos carros porque não tem rampa. Por exemplo, vou citar aqui a JK. De um lado até que é adaptado, as calçadas tem acessibilidade, já do outro lado fica complicado de andar pela calçada sem ajuda para descer e subir degraus”.


Já Clério com um sorriso otimista conta que quando chegou à capital, na década de 90, era muito pior e diz que a questão das rampas e calçadas já melhorou muito desde então. “Hoje, apesar das dificuldades, posso trabalhar, estudar e ter uma vida social, mas Palmas ainda precisa melhorar muito ainda pra gente ter uma vida mais tranquila”, diz Clério e depois de um suspiro, conclui: “Eu acho que uma cidade como Palmas, uma capital, não pode ser planejada só para quem anda de carro. Ela tem que ser planejada para quem anda de carro, à pé e ainda para pessoas portadoras de deficiências de todos os tipos. Isso é acessibilidade... todo mundo ter direito de ir e vir”.

O caminho para a acessibilidade

Aberto; alcançável; desimpedido; atingível; desobstruído; a que se pode se pode chegar; qualidade do que é acessível. Todas essas expressões de acordo com o dicionário Aurélio nos remetem ao conceito de acessibilidade.


O conceito para Clério contudo está arraigado na sua vivência como   cadeirante e com uma praticidade evidente, ele diz: “Acessibilidade não é só para o cadeirante, ela funciona tanto para quem tem deficiência como para uma pessoa normal. Muitas vezes uma rampa vai facilitar a vida de uma pessoa normal que está com um carrinho de compras ou sei lá... no final das contas a rampa não atrapalha ninguém só pode ajudar, porque ela não precisa ser exclusiva para o deficiente, já o degrau é só pra quem pode andar”.


Mas o problema da falta de acessibilidade é mais amplo do que a falta de rampas, rampas íngremes, estacionamento sem vagas para portadores de deficiência física, calçadas irregulares, telefones públicos sem adaptação, portas estreitas para entrada em lugares públicos, restaurantes com mesas onde cadeiras de rodas não encaixam, falta de banheiros adaptados, problemas com transporte público. Estes são apenas sintomas que refletem o quão inacessíveis nos tornamos uns aos outros.


Para tornar Palmas uma cidade referência em acessibilidade urbana falta ver a acessibilidade como uma necessidade coletiva e não apenas de um segmento minoritário da sociedade. Falta altruísmo, falta pensar no outro, falta desconstruir a mentalidade egoísta da sociedade em que vivemos e considerar uma cidade acessível a todos.


O sol se vai e com ele mais um dia de trabalho. Enquanto muitos palmenses estacionam seus carros nas garagens, outros descem nos pontos de ônibus e seguem caminhando para casa. E mais uma vez o ranger de rodas anuncia a presença de Clério que ao se despedir, apesar dos problemas de acessibilidade que o aguardam no seu retorno para casa, em um lampejo de esperança, diz: “Pra que construir degraus se todos têm acesso através das rampas?”.

© 2012 by Greg Saint. No animals were harmed in the making of this site.

bottom of page